Sustentabilidade: opção de mercado ou imposição legal?



Para CBCS (Conselho Brasileiro de Construção Sustentável) sobre o assunto, articulação setorial, programas da qualidade e políticas públicas são mais eficientes que a imposição legal da sustentabilidade.

A adoção de tecnologias, materiais e práticas da sustentabilidade na construção civil devem resultar de um processo de convencimento de todos os intervenientes - do fabricante à construtora, do governo às organizações não-governamentais. A articulação setorial e os programas da qualidade, aliados a uma política pública clara, são mais eficientes do que a imposição de qualquer arcabouço legal.

Antes da criação de uma lei, é fundamental consolidar os conhecimentos básicos, divulgar e gerar uma cultura sobre o tema - e contar com o apoio da mídia para difundir a idéia. A lei só chegará ao final do processo, se necessário, para destravar algum impedimento não resolvido na etapa anterior.

O processo de desenvolvimento e implantação no mercado brasileiro da bacia sanitária de 6 l é referência. A trajetória adotada pelo PBQP-H (Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade no Habitat) foi a ideal, e deu certo: contou com uma política nacional para o uso racional da água aliada a instrumentos setoriais. Foram criados mecanismos e compromissos para que, em quatro anos, o produto estivesse disponível no mercado. Hoje, todas são de 6 l.

Houve, portanto, um processo político de articulação de agentes setoriais, embasamento técnico por parte das empresas e da academia. E, ainda, foram criadas normas técnicas. Enquanto isso, os fabricantes norte-americanos, obrigados por lei de 1992, levaram muito tempo para fazer a adaptação tecnológica. Até 2000 havia contrabando das bacias do Canadá que o mercado denominava "old fashion".

Em mercados com boa parte das empresas na informalidade - como ocorre no Brasil -, a aplicação de norma ou legislação restritiva agrava a assimetria. Enquanto as empresas formais investem para se adequarem à nova regra, aumentando seus custos, as informais não são afetadas e ampliam sua vantagem competitiva. Do ponto de vista prático, o CDC (Código de Defesa do Consumidor), em sua modernidade e amplitude, dispensa a criação de novas leis específicas. O CDC dá conta de obrigar os fabricantes a produzir em conformidade com as normas técnicas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), promove a melhoria das normas e da documentação.

Paralelamente, a introdução no mercado brasileiro do instrumento das certificações, que abrangem desde os edifícios até produtos isolados, tem penetração muito limitada, pois atingem uma parcela pequena do mercado. A experiência mostra que as certificações acabam criando dois mercados: o dos produtos ecoeficientes, vendidos a um preço "premium", e dos produtos convencionais, adquiridos por consumidores desinformados e com recursos limitados - é preciso lembrar que a autoconstrução e a construção autogerida respondem por 70% do mercado.

Políticas públicas

Há necessidades do setor que só podem ser tratadas por lei. Nesse caso, o Estado deve estabelecer mecanismos sólidos para que a lei se cumpra, caso contrário, virá o efeito perverso da informalidade. Ao mesmo tempo, as políticas públicas devem ser flexíveis às diversas realidades socioambientais do País.

Os desdobramentos da Resolução 307 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), de julho de 2002, são ilustrativos. Criada com boa intenção e de forma participativa, estabelece a obrigatoriedade de gestão diferenciada dos resíduos da construção, atribuindo obrigações ao munícipe, ao construtor e à prefeitura. Porém, não é obedecida em 99% das prefeituras brasileiras. Nem mesmo a prefeitura da cidade de São Paulo, depois de seis anos, implementou a infra-estrutura exigida.Um dos equívocos do Conama foi não ter desenvolvido mecanismos para identificar os municípios onde o problema é mais grave e, então, feito as necessárias intervenções. Falhou, ainda, ao desconsiderar as diferenças regionais, estabelecendo a obrigatoriedade, tanto para a construção civil de São Paulo, que tem dez milhões de habitantes, e de Cerro Largo, no Rio Grande do Sul, com sei mil. Cerro Largo não tem problema de resíduo da construção porque, lá, quase não se constrói, mas há espaço de sobra para o resíduo inerte. É uma cidade que não tem aterro sanitário nem hospitalar, apesar de ter três hospitais. Mas ela está obrigada a criar essa infra-estrutura.

Por outro lado, o órgão não viu que existem setores que fazem a gestão dos resíduos, cujos interesses econômicos seriam feridos. Foi feita a legislação e o Ministério das Cidades tentou fazer alguma coisa, mas como o País tem 5.500 municípios para tratar, nada aconteceu. Assim, se amplia a informalidade na sociedade.Um dos extremos a que os legisladores têm chegado é promover leis para fazer cumprir leis. É o caso da lei que proíbe o uso de madeira ilegal nas construções do município de São Paulo - parece exagero lingüístico, mas é isso mesmo. Teria sido mais efetivo que a Prefeitura de São Paulo determinasse que, a partir de hoje, está treinando seus funcionários para impedir a entrada de madeira ilegal nas obras públicas na cidade. Tão inútil quanto esta, é a lei que proíbe o uso de produtos com amianto. Ela não trata de proibir a fabricação ou a comercialização, mas o uso. Significa que os cidadãos que têm uma caixa d'água ou milhares de tubos de água de cimento-amianto enterrado, ou um telhado, ou drywall que usa 0,01% de amianto estão em desacordo com a lei. Teriam então que retirar todos esses produtos, gerando, em seis meses, uma montanha de resíduos contendo amianto. Na Cidade Universitária, em São Paulo, teríamos que trocar todos os telhados, menos os da engenharia civil e da elétrica.

No Brasil, temos lei, política setorial por meio do PBQP-H e o mercado. Uma não exclui a outra. Algumas questões terão que chegar numa lei, outras serão resolvidas em política setorial e, outras, o mercado resolve. Um problema que pode ser resolvido pelo mercado é a redução do teor de clínquer no cimento. O cimento brasileiro é um dos mais ecoeficientes do mundo, condição alcançada pelo mercado. Nos Estados Unidos, onde os engenheiros são muito fortes e não deixaram as cimenteiras alterarem a norma, está uma das indústrias de cimento menos ecoeficientes do mundo desenvolvido. Outro exemplo: no Brasil, os fabricantes produzem todas as tintas à base de água. Mas, se tivermos que controlar alguns pigmentos de metais pesados nas tintas, talvez o mercado não resolva e a solução esteja numa política setorial ou, até mesmo, numa regulamentação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

É interessante, também, que se estabeleçam diretrizes para o mercado tendo em vista o futuro, e não como obrigação. Assim é possível estimular o mercado a fazer algo além do que é obrigatório. Por exemplo, no Japão, nos anos 90, era proibida a exportação de produtos que não tivessem o mínimo de seis meses de testes de uso pelo mercado interno. Se houvesse muita reclamação, o governo proibia a exportação porque comprometia a marca "made in Japan". Foi símbolo para a melhoria da qualidade dos produtos japoneses.

Processos arbitrários

Hoje, no Brasil, a geração e disseminação da cultura da sustentabilidade pela indústria da construção devem ser espontâneas até certo ponto, porque passa pela conscientização dos agentes de que a mudança é importante. Há práticas passíveis de alteração na indústria de materiais. Outras, podem mudar sem impacto significativo em custo, via Código de Obras, que hoje impede algumas ações que poderiam ser negociadas. A construção civil não é contra a alteração da legislação, mas contra processos arbitrários.

Lei é necessária, mas não é a solução. E o processo só vai funcionar se for bem conduzido. No caso da energia solar para residência, uma lei sozinha não resolve, até porque 70% das casas talvez sejam ilegais - ou seja, nunca receberão um fiscal da prefeitura para verificar e, se receberem, este poderá ser "convencido" a não multar. Hoje, já se encontra à venda nas lojas de material de construção o "kit lei de energia solar", um produto de péssima qualidade. Só deverá ser criada uma lei para residências quando os equipamentos apresentarem melhor tecnologia e desempenho, mais qualidade, e quando se fizer uma campanha de educação. Para construir esse processo nos mais variados segmentos da construção civil, o Conselho Brasileiro de Construção Sustentável propõe uma metodologia, veja abaixo:

METODOLOGIA - PROCESSOS PROPOSTOS

· Combate à informalidade no mercado. Políticas públicas ou setoriais só serão efetivas quando a informalidade estiver sob controle;

· Desenvolvimento da agenda socioambiental do subsetor ou setor, identificando pontos a serem atacados no curto, médio e longo prazo. Com uma agenda serão estabelecidas as prioridades, evitando a criação de obrigatoriedades, dificultando o ajuste;

· Seleção de meta prioritária e identificação das possibilidades de sucesso. Cotejar as implicações econômicas de cada medida para os diferentes agentes, inclusive usuários. E compará-las com os benefícios socioambientais a menor custo;

· Desenvolvimento tecnológico sistêmico da solução e sua integração com os demais subsistemas da construção, uso, operação e manutenção. Adequação às diferentes realidades socioambientais e econômicas do País;

· Consolidado o desenvolvimento, negociação setorial envolvendo todos os intervenientes de um cronograma de implantação, atribuindo metas e prazos para todos os participantes;

· Acompanhamento sistemático do mercado para combater a não-conformidade;

· Educação ambiental dos usuários da tecnologia.

fonte: Revista Construção&Mercado
contribuição: Eng Renato Camacho

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