As Barreiras à Industrialização da Construção Civil no Brasil



A popularidade inabalável da alvenaria como sistema de fechamento é um indicador claro do tradicionalismo a que a construção brasileira se mantém fixada, desde momentos históricos remotos. Há mais de 60 anos, quando o mundo já dispunha do automatismo das gruas para içamento de peças, obras brasileiras ainda se mostravam dependentes do equilíbrio e da força muscular do operariado: "Eram necessários no mínimo três homens: um segurava uma prancha de madeira, outro colocava um tijolo sobre a borda da prancha e um terceiro operário, no andar de cima, recebia o tijolo no ar e o empilhava - operação que se repetia quando era necessário transportar o material para outros pavimentos."


Só na década de 1960 é que as gruas começaram a ser utilizadas no País. No mesmo período implantou-se o concreto pré-misturado, enquanto a indústria química começava a fornecer produtos como plastificadores e aceleradores de pega. "Equipamentos especiais foram introduzidos principalmente para possibilitar as obras do metrô de São Paulo, logo imitadas no Rio de Janeiro: shield para escavação de túneis, esteiras de transporte de terra escavada, elevadores". A vibração de concreto foi adotada nas obras da estrada Mairinque-Santos, em São Paulo, em 1937, menos de um ano depois da primeira aplicação na Europa - superando o costume anterior de se injetar concreto nas fôrmas mediante socamento manual.


Embora pese a preferência do setor por métodos construtivos convencionais, esse não é o único aspecto que dificulta o desenvolvimento de sistemas industrializados. O professor Silvio Burrattino Melhado, da Poli-USP (Escola Politécnica da Universidade de São Paulo), enfatiza que é necessário existir produção em escala que sustente a industrialização.


"Esse consumo em massa vai acontecer em empreendimentos de caráter mais profissional, mais estruturado. É quando construtoras e incorporadoras, tendo escala, começam a pensar em industrialização", afirma.


O fenômeno vale para modelos específicos. Não é o caso, por exemplo, de imóveis voltados ao público de classe média e alta. "Sistemas industrializados, em princípio, envolvem inovação tecnológica e, conseqüentemente, riscos para o desempenho e para outras variáveis como custo e prazo", explica. "O alto e médio padrão são mercados em que a venda imobiliária procura sempre se cercar de condições que reduzam o risco financeiro e de comercialização do empreendimento. Conjuntura essa que não contribui para a industrialização."Não se pode dizer, entretanto, que a industrialização nunca tenha sido utilizada em obras de padrão elevado. "Houve fases, nos anos de 1960 e 1970, em que a prática se estendeu também a esses empreendimentos, por influência da cultura européia e americana", assinala Melhado. "Mas o processo de inovação nem sempre é conduzido adequadamente, acaba-se criando certa rejeição a determinados sistemas, por ter havido alguma falha de desempenho, ou de durabilidade, ou de custo - até mesmo rejeição do usuário -, falhas que marcam e dificultam a continuidade do processo", esclarece o professor.

Só há uma situação em que sistemas industrializados se mostram viáveis do ponto de vista econômico, mesmo com baixa escala de produção: quando a construção, em vez de constituir objeto central do negócio (caso da moradia), representa apenas uma "atividade-meio" - necessária para que se alcance uma atividade-fim distinta."Exemplo mais radical disso é um hipermercado", assinala o docente da Poli-USP. "Qualquer sistema mais rápido que for implantado justifica o custo mais alto. Se for para terminar a obra um mês antes, o contratante não vai querer nem saber quanto custa basta que tenha algumas garantias, evidentemente, de desempenho do sistema." O raciocínio é similar para outros empreendimentos comerciais, como hotéis e shopping centers.


Fases evolutivas


À exceção dos modelos citados, a vantagem financeira da industrialização concentra-se mesmo na produção de moradias em larga escala destinadas à classe média baixa ou baixa - esta última, pertencente ao grupo das habitações de interesse social. Nesse sentido, Silvio Melhado identifica canteiros experimentais, nos anos 1980, da Cohab-SP (Companhia Habitacional de São Paulo) e CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), também do governo paulista. "Num sentido amplo, foi nessa época que a industrialização se fez mais forte, conceitualmente, com algumas experiências baseadas em aço, diversos tipos de paredes maciças, sistemas de fôrmas bastante rápidos", descreve. O diretor de construção da Thishman Speyer, Luiz Henrique Ceotto, apresenta uma visão mais crítica do período. Para ele, a criação do BNH (Banco Nacional da Habitação) - cujo ápice de atividade ocorreu na década de 1970 - estimulou o que determina como primeiro marco de industrialização do setor, e que chama de "industrialização irresponsável"."Os construtores visitavam uma feira fora do Brasil, compravam os sistemas em exposição e adaptavam aqui ao seu bel prazer, saíam produzindo feito malucos", repassa. "Todo tipo de porcaria foi feita naquela época, sem pesquisa, sem nada, de qualquer jeito." As conseqüências, obviamente, apareciam na forma de patologias. "Embora a produtividade tenha aumentado, a qualidade das obras ficou muito comprometida, na maior parte das vezes", arremata Ceotto.Essa fase durou até 1982, quando o BNH, a despeito de ainda existir oficialmente, passou a emitir seus últimos suspiros. A partir de então, com sucessivas crises abalando o País e atingindo em cheio o negócio imobiliário, a ordem nos canteiros enveredou para a racionalização de processos tradicionais. "Voltou-se a fazer o feijão com arroz, mas começou-se a pensar no feijão com arroz bem-feito", aponta o diretor da Tishman Speyer.Foi só em meados da década de 1990 que movimentos tecnológicos tornaram a se manifestar na construção. "As fachadas pré-fabricadas, com concreto, acabamento, detalhes arquitetônicos, tiveram uma explosão muito grande nessa época, mesmo que não fosse algo efetivamente novo", observa o professor Melhado. "Chegou inclusive a haver problemas no fornecimento, já que a capacidade de produção das usinas não é tão elástica a ponto de absorver picos de demanda."Segundo Luiz Henrique Ceotto, a partir de 1996 teve início uma "industrialização sutil", assim classificada porque atingiu, sobretudo, componentes. No entanto, apesar de intensa, foi pouco percebida. O destaque do movimento foi a chegada do drywall ao mercado, e incluiu também, além das fachadas pré-fabricadas, itens como portas e banheiros prontos e fornecimento de aço cortado e dobrado.Antes desse processo, um outro material, as fôrmas prontas, eram privilégios de grandes construtoras, que compravam ou fabricavam o sistema elas mesmas, em canteiros centrais, de onde faziam a distribuição do insumo para suas demais obras. Com a industrialização sutil, o mercado passou a atender a essa demanda e oferecer aluguel do material, permitindo que a racionalização chegasse também às construtoras de menor porte.
A partir de 1996, os canteiros passaram por uma industrialização sutil, com utilização de banheiro pronto e aço cortado e dobrado. Com a desaceleração do setor anos depois, essas tecnologias recuaram

Em 2003, uma nova depressão atingiu o setor e dissipou os bons ares que os canteiros vinham aspirando. "A indústria recuou; muitas produtoras de banheiros prontos, de fachadas, deixaram o mercado, empresas italianas, espanholas. Poucas restaram", relembra Ceotto.Para Silvio Burratino Melhado, os anos 2000 têm sido de fato pouco inovadores, no que diz respeito ao surgimento de novas tecnologias. "Uma última influência que impactou, nem tanto em extensão de aplicação, mas em importância conceitual, foi o sistema tilt-up", cita. "Em geral, no entanto, se fizermos uma seleção tecnológica, encontraremos poucas opções consolidadas", pondera."O Brasil tem uma estrutura frágil em relação à normalização desses sistemas industrializados, no que toca ao controle de características que influenciam o desempenho da edificação", acredita o professor. "Os próprios fornecedores não têm os sistemas homologados, desenvolvidos num nível de detalhamento que se precisa para projeto, orçamento, para tomada segura de decisão tecnológica."Melhado defende que o setor precisa aproveitar momentos de crescimento comprometido para melhorar a qualidade de métodos e sistemas construtivos. Dessa forma, quando acontece a retomada dos negócios, já se pode dispor de resultados para efetiva utilização. "Temos que sair dessa realidade imediatista, de procurar sistemas só quando temos empreendimentos no gatilho", resume.Conjuntura favorávelO professor reconhece que, apesar da recente escassez de tecnologias de destaque, a atual conjuntura do setor é favorável para um regresso do espírito de industrialização. "Vivemos um momento em que as empresas estão voltando a ter escala de produção", declara. "Mas temos que levar em conta a inércia do mercado, que vem de anos anteriores em crise, num ritmo de construção convencional." Melhado diz que já existem algumas novas iniciativas em curso, como o sistema que utiliza combinação de PVC e concreto na modulação de paredes maciças. "Mas efetivamente o sistema ainda não está desenvolvido, faltam lacunas a serem preenchidas. E depois se esbarra na dificuldade de não existir uma normalização, abundância de detalhamentos."Luiz Henrique Ceotto prevê que o setor vá retomar os princípios da industrialização sutil, com pré-engenharia dos componentes. "É um cenário em que o componente tem tecnologia inserida, está todo resolvido, suas interfaces, sua forma de aplicação com mão-de-obra especializada, possibilitando que a construtora se transforme muito mais em um general contractor [gerenciadora]", explica. Mas para que a tendência se confirme, avisa, é necessário que haja constância de demanda. "Se mantivermos metade do crescimento atual durante dez, 15 anos, a construção civil vai ter um salto gigantesco."
Ainda hoje, o drywall e os painéis arquitetônicos de fachada estão em fase de difusão nos canteiros. O tilt-up (foto acima), que representa uma industrialização profunda, é tecnologia rara

fonte:Por Thiago OliveiraConstrução mercado 82 - maio 2008

contribuição ao blog: Renato C. Camacho

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