Crise Imobiliária Americana - A Intervenção do Governo

O ano nem acabou e a crise financeira de 2008 já entrou para a história. Em poucos dias, o governo dos Estados Unidos estatizou as gigantes do crédito imobiliário Fannie Mae e Freddie Mac e a seguradora AIG.
Somente nessas duas operações de resgate, o contribuinte americano poderá pagar US$ 285 bilhões -- isso se as estimativas iniciais forem mantidas. É dinheiro que não acaba mais. Daria para salvar da penúria os americanos pobres, os desabrigados pelos furacões devastadores do Atlântico e, quem sabe, os parentes distantes de Barack Obama na África.
Quando a meca do liberalismo econômico estatiza empresas privadas em vez de deixá-las quebrar, como seria de se esperar, o que isso significa? Assim como a queda do muro de Berlim enterrou o socialismo, será que a quebra de Wall Street prenuncia o fim do capitalismo, menos de duas décadas depois? Os românticos da esquerda que me perdoem, mas não é bem assim.
Antes de condenar o ímpeto estatizante do Tesouro americano e do Federal Reserve Board, o banco central, é bom lembrar que eles não estão sozinhos. O Banco da Inglaterra, terra de Margaret Thatcher, também encampou o Northern Rock no ano passado. Atualmente, a Dama de Ferro sofre de demência e não influencia mais as decisões do governo britânico, mas o mesmo não se pode dizer de Hank Paulson e Ben Bernanke, os guardiões do capitalismo dos EUA neste início de século.
Eles tamparam o nariz ideológico e socializaram o prejuízo da Fannie Mae, da Freddie Mac e da AIG, mas não todo. Se simplesmente as deixassem falir, a sociedade perderia muito mais, pois os negócios financeiros dessas instituições são tão grandes e tão interligados a centenas de bancos e empresas que muitas poderiam quebrar também. Não fazer nada levaria milhões de trabalhadores ao desemprego, nos EUA e em outros países, num efeito dominó inaceitável por pessoas inteligentes, especialmente em tempos de eleição. Mas isso não quer dizer que os capitalistas incompetentes devem ser salvos. No fundo, eles não foram.
As três empresas citadas quebraram e serão saneadas com dinheiro público, mas o dinheiro de seus acionistas virou pó. Nos últimos meses, cada dólar investido em ações dessas companhias transformou-se em poucos centavos. As perdas superaram 90% em 12 meses. Os investidores de Fannie Mae, Freddie Mac e AIG lucraram bastante nos tempos de vacas gordas, mas seu patrimônio derreteu na Bolsa de Valores e isso não será recompensado pelo governo americano.
Em vez de simplesmente injetar dinheiro, Paulson e Bernanke tomaram o controle das resgatadas, demitiram os gestores e poderão até apresentar algum lucro, no futuro, quando elas forem privatizadas de novo. Alguns bancos menos importantes, como o Lehman Brothers, fecharam as portas e outros, como o Merrill Lynch, foram engolidos pelos maiores.
Em todos os casos, os acionistas perderam dinheiro como nunca. Entre mortos e feridos, salvaram-se os tolos: os cidadãos que nunca ouviram falar em subprime, nunca investiram em ações e não têm nada a ver com a ganância de investidores e especuladores. Os capitalistas foram punidos, exceto os mais inteligentes ou sortudos, que saíram do negócio antes da derrocada e foram substituídos por outros, os patos que tinham capital e estavam de plantão. O deus mercado é cruel, mas escreve certo por linhas tortas.
Assim que a poeira baixar, os críticos do capitalismo e do liberalismo econômico irão exigir novas regras de conduta no setor bancário para evitar futuras crises e desperdícios de dinheiro público. Provavelmente, o resultado será a criação de amarras e mecanismos de controle sobre as atividades das instituições financeiras. Foi o que aconteceu após as fraudes contábeis da Enron, no início do século, que desembocaram na draconiana lei Sarbanes-Oxley. Apesar dela, ninguém tem 100% de certeza da fidelidade dos balanços dos bancos e de muitas empresas americanas, como indicam as sucessivas quedas da Bolsa em Wall Street. A desconfiança é geral. Como a natureza humana não irá mudar, a mão do Estado vai ficar mais pesada e os gestores do dinheiro (com a anuência dos donos) tentarão driblar a regulamentação e a fiscalização, inventando novas operações financeiras atrativas e rentáveis. Até a próxima crise. Deve haver algum sistema econômico melhor que esse - o universo é infinito. Infelizmente, os humanos ainda não descobriram.
fonte: Revista Isto é Dinheiro - Edição 576 - 24/09/2008
Por Milton Gamez
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