O futuro parece a idade da pedra!
A RA, revista publicada desde o ano passado pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, publica em seu último número uma reportagem sobre a chegada do noroeste fluminense à idade da pedra rachada. Essa notícia não é tão curiosa quanto o fato, em si, de que os deputados estaduais, esparramando-se num conglomerado jornalístico, já têm até revista. O que a torna irresistível é o título: Futuro Lapidado.
Ou seja, vem aí mais uma jóia do empreendedorismo nacional. Vale a pena abrir a revista para o que é. Trata-se de uma história otimista, em oito páginas, da ruína ambiental de 13 municípios que, tendo devorado tudo o que era possível tirar de seus territórios, roem atualmente a ossada mineral. Tudo aquilo foi região cafeeira até meio século atrás. Quando o solo se esgotou, subiu as encostas desertadas pelo café o gado rústico, apto a ruminar tufos de capim seco em pastos calvos.
Pedra pura
De vinte e poucos anos para cá, nem o boi agüentou. E o futuro a economia local foi tomando outra forma – mais bruta. Bastava correr os olhos pelos morros nus, com o substrato exposto, para ver os recursos naturais faiscando no chão tostado. E era pedra limpa, pronta para o corte.
Os fazendeiros chegaram a esse tesouro ela pelo mesmo desvio que levou os nativos da ilha de Páscoa, isolados no meio do Pacífico, ao canibalismo. Primeiro, eles se livraram de todas as árvores. Sem madeira, não tinham mais barcos para pescar. Sem peixe, passaram a comer ratos silvestres. Até deixarem nos sítios arqueológicos vestígios de carne humana em sua dieta.
Os fazendeiros chegaram a esse tesouro ela pelo mesmo desvio que levou os nativos da ilha de Páscoa, isolados no meio do Pacífico, ao canibalismo. Primeiro, eles se livraram de todas as árvores. Sem madeira, não tinham mais barcos para pescar. Sem peixe, passaram a comer ratos silvestres. Até deixarem nos sítios arqueológicos vestígios de carne humana em sua dieta.
No caso do estado do Rio, felizmente, havia as pedras. Elas hoje empregam seis mil pessoas, rendem 75 milhões de reais por ano e sustentam 300 pedreiras. Como declarou o ex-lavrador José Mauro à RA, “pedra é muito melhor”. Seu único inconveniente é a informalidade. Dois terços dos trabalhadores que ela emprega – por exemplo, “a R$ 2 por metro quadrado de lajotas rachadas à mão” – nunca viram a cor de uma carteira assinada. Raros usam botas, luvas, capacetes e outros equipamentos de segurança. Ou, pelo menos, “têm o primeiro grau completo”.
Licenciamento ambiental
E, produto de uma imprevidência apocalíptica, a indústria da pedra nasceu poluente e relaxada. Quando o Ministério Público resolveu legalizá-las, 30 empresas locais não tiveram salvação. Sem contar que “havia um grande número operando na clandestinidade”. Outras 155 assinaram termos de ajustamento de conduta, para continuar funcionando. E com isso seus pequenos empresários, que nisso pelo menos se comportam como os grandes, ganharam o direito de se queixar que seu “grande gargalo é o licenciamento ambiental, que demora a sair”.
Mas nada disso valeria a leitura da revista, se a reportagem não viesse escoltada pelo editorial do deputado Jorge Picciani, em pessoa. Como presidente da Assembléia, ele apresenta a história como um atestado da “recuperação econômica dos municípios fluminenses, por obra e graça do Legislativo, e um exemplo de “solução encontrada para os problemas ambientais gerados pelo desenvolvimento do setor”.
Fala de cátedra. Legítimo representante da auto-complacência brasileira, Picciani também é pecuarista. Tem fazendas no estado do Rio e no Mato Grosso. Há cinco anos, a Polícia Federal apanhou-o em flagrante de trabalho escravo, nas terras de São Félix do Araguaia. Usava essa mão de mão-de-obra semicativa para fazer desmatamentos ilegais. Por sorte, um dos contratados tinha só 17 anos e essa irregularidade extra valeu-lhe a prerrogativa de responder ao processo sob segredo de Justiça, porque o caso envolvia um adolescente.
Ele andava esquecido. Agora a RA, por tabela, destampou-o. Mostrou, sem querer, que a política brasileira não precisa de denúncias. Seus artefatos de propaganda dão de sobra para alertar a opinião pública.
fonte: O Eco - Marcos Sá Corrêa é jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)28/11/2008
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